sábado, 17 de janeiro de 2009

DO 31 DE JANEIRO AO 5 DE OUTUBRO

* José Augusto Seabra

A vitória do 5 de Outubro e a implantação da República como um regime identificado com o povo português, a tal ponto que nem a ditadura conseguiria de todo erradicá-la, foi a culminância de uma luta de sucessivas gerações que, no seio do Liberalismo, quando este entrava em crise larvar, souberam difundir coerente e corajosamente o ideário cívico e político democrático, face à decadência da Monarquia declinante.

Após a geração dos pioneiros, o Partido Republicano organizou-se e fortaleceu-se a pouco e pouco, através de uma militância e de uma propaganda crescentes, à imagem do que se passava na Europa e até no resto da Península .A sua inflexão de uma orientação federalista ibérica para uma linha predominantemente patriótica, que com o tricentenário de Camões, em 1880, se veio a afirmar, contribuiu sem dúvida para que se entranhasse entre os portugueses a consciência de que " a República é a Nação", como numa fórmula lapidar a caracterizou Sampaio Bruno, dando um sentido universalista e não "nacionalista" à expressão.

Mas foi sobretudo com o protesto nacional contra o Ultimatum inglês de 1890, liderado pelos republicanos perante a claudicação dos partidos monárquicos, que esse sentimento de uma íntima consubstanciação da República com a Pátria se selou com sangue, através da revolta do 31 de Janeiro de 1891 no Porto, vencida no campo da honra mas cujas sementes iriam fecundar o crescendo do republicanismo até ao 5 de Outubro de 1910.

Os republicanos portuenses que, ao arrepio do directório do seu partido, prepararam e fizeram eclodir o levantamento revolucionário – de João Chagas a Alves da Veiga, de Bruno a Basílio Teles – com o apoio de um punhado de oficiais, sargentos e soldados, como o capitão Leitão ou o alferes Malheiros, eram movidos ao mesmo tempo por um ideal patriótico e por um ideal político, o que os levou, no Manifesto dos Emigrados, depois publicado no exílio de Paris, a compararem o 31 de Janeiro ao levantamento nacional de 1385 e ao pronunciamento restaurador de 1640, ambos em luta pela independência.

Se outra então a estratégia legalista do Partido Republicano, este acabou afinal por colher os frutos da revolta do Porto, pois ficou provado que a Monarquia podia ser derrubada e tinha os seus dias contados. Menos de vinte anos depois, ela cairia às mãos dos revolucionários da Rotunda, depois de os republicanos terem esgotado a sua luta no plano eleitoral, do mesmo passo que os partidos monárquicos se desacreditavam, concomitantemente com a dinastia de Bragança.

Os heróis de 5 de Outubro – alguns deles tragicamente sacrificados, como o Almirante Reis e Miguel Bombarda – deram o golpe final num regime corrompido, desacreditado e impopular, abrindo uma nova era na história do nosso país, que se tornou então o terceiro Estado republicano da Europa, ao lado da França e da Suíça. Depois da instalação do Governo Provisório, presidido por Teófilo Braga – um dos principais ideólogos do republicanismo -, a Constituinte dotou o regime de uma Constituição democrática, tendo a República iniciado um conjunto de reformas jurídicas, administrativas, sociais e educativas importantes: da separação da Igreja e do Estado à instituição do divórcio, da descentralização à democratização fiscal, do fomento da assistência pública à protecção da infância, da modernização da Universidade à simplificação ortográfica.

As vicissitudes e crises do regime, parlamentar e jacobino, marcado pela exacerbação das divisões partidárias, após a cisão do Partido Republicano em três – o Democrático, o Evolucionista e o Unionista –, juntas as conspirações monárquicas e ultramontanas, enfraqueceram entretanto a República, que teria de assegurar ainda a participação de Portugal na Grande Guerra, sendo pouco a pouco desgastada por contradições internas e pela agressividade da reacção nacionalista, que levaria ao golpe do 28 de Maio e à instauração da Ditadura Militar, prelúdio do "Estado Novo" salazarista, o qual oprimiria o povo português durante meio século.

A república democrática ficou, porém, na memória mantida viva pelos democratas na resistência e na oposição à ditadura, através de prisões e exílios. As celebrações do 31 de Janeiro e do 5 de Outubro foram sempre grandes jornadas de combate pela liberdade e pela democracia. E quando estas foram reconquistadas, com o 25 de Abril, continuaram a sê-lo. Por isso estamos de novo, uma vez mais, a lembrar às jovens gerações o que foi a longa marcha do republicanismo em Portugal, que abriu caminho à sua pertença actual à Europa e ao mundo livres.

Sem comentários: