Por Fernando de Sousa
A 31 de Janeiro de 1981, o Porto foi abalado por uma revolta, a última do seu vasto e glorioso património revolucionário, de que a revolução liberal de 1820 foi a expressão mais acabada, a primeira das manifestações revolucionárias que procuraram implantar a República em Portugal e que atingiram o seu remate final na revolução de Lisboa, em 5 de Outubro de 1910.
Deixando para outra oportunidade a descrição factual da mesma, suficientemente conhecida para sobre ela nos debruçarmos, importa, outrossim, levantar a problemática rica e complexa que se prende com tal facto histórico e responder às seguintes questões:
1. Por que é que a revolta surgiu no Porto?
2. Qual a natureza da revolta? Republicana ou militar?
3. Qual o papel da Maçonaria na revolta?
4. Que República se pretendia implantar?
5. Qual o seu significado e importância?
1. Porque é que a revolta surgiu no Porto?
Se a causa do movimento militar, como todos os historiadores afirmam, foi o Ultimatum, porque é que a revolta não se deu em Lisboa, cidade onde a agitação popular, em 1890, foi muito mais importante que no Porto? Não era apenas em Lisboa, como bem sublinha João Chagas, que o Partido Republicano dispunha de uma organização eleitoral e de um grande número de sufrágios, a única cidade, aliás, onde os republicanos, a seguir ao Ultimatum, elegeram deputados?
Não continuava o Porto "fiel à tradição, onde a obra dos publicistas republicanos não conseguira captar definitivamente o espírito da população", como nos refere João Chagas?
Não manteve a cidade do Norte, após o Ultimatum,"o aspecto do costume" parecendo – refere Basílio Teles –, como o resto do País, "um povo morto"?
A Liga Patriótica do Norte, constituída no Porto, em 1890, como resposta nacional ao Ultimatum, dirigida por Antero de Quental, não redundou num fracasso, dissolvendo-se pouco depois de ter sido fundada, insucesso facilmente previsível numa cidade em que a influência económica inglesa, devido às profundas relações comerciais com a Inglaterra, se revelava predominante?
Não era o Porto, afinal, como Basílio Teles desabafou, "uma feitoria inglesa"? João Chagas, na História da Revolta do Porto, escreve que tanto ele como outro republicano, tendo chegado à conclusão de "que era preciso fazer alguma coisa", foram primeiro "espionar" o Algarve, onde constava ter rebentado uma insurreição militar, para logo reconhecerem que tal sedição era apenas um boato. E só posteriormente se deslocou ao Porto, uma vez que, o jornal que ele pretendia fundar para desencadear "uma tormenta de paixões populares" só poderia nascer e cobrir-se de glória no Porto, cidade que até então não dera grandes sinais de vida cívica, mas que, para ele, se lhe afigurava, pela sua tradição e pelas suas "superstições, o único centro de população portuguesa susceptível de soltar o primeiro grito de liberdade".
Lisboa – continua ele –, "inçada de uma população heterogénea, disseminada numa grande área e dividida pelas opiniões mais diversas, foi posta de parte como pouco propícia para o êxito do nosso empreendimento, e adoptou-se o Porto com entusiasmo e esperança".
Ora, importa desde já esclarecer que esta análise crítica de João Chagas quanto à Lisboa heterogénea e ideologicamente pluralista (como se o Porto tivesse uma população homogénea e uma opinião monolítica), favorável quanto à capital do Norte, centro da liberdade, não pertence a João Chagas mas a Basílio Teles e a Sampaio Bruno, a demonstrar a importância que estes tiveram na escolha do Porto para o lançamento de uma imprensa revolucionária e sede da revolução, e que, portanto, não é João Chagas, com os seus jornais, por mais que ele se esforce em o demonstrar, que vai desencadear a revolta, outrossim, é a revolução que o chama (como apela a outros republicanos radicais), para nela vir colaborar, e para justificar.
Certamente que o Porto desempenha um papel muito importante na tradição revolucionária do século XIX português, importância de que os republicanos revoltosos têm nítida consciência.
Oliveira Martins, nos anos que precederam a revolta, sintetizava essa tradição, dizendo que o Porto era a cidade revolucionária, "democrática" por excelência, a cidade da "gloriosa revolução de 1820". E continuava:
"O Porto foi e é ainda a capital do pensamento democrático português.
O Porto foi o foco donde todos os movimentos restauradores da nossa sociedade partiram; e será uma vez ainda onde hão-de convergir e congregar-se as vozes de todo o norte do reino...".
"Todas as vezes que a vida nacional careceu da acção violenta ou apenas enérgica do povo para imprimir um rumo diverso à derrota da nau do Estado: de todas as vezes partiu do Porto o novo impulso.
Foi assim em 1820, para expulsar os ingleses e obrigar a corte a voltar do Brasil.
Foi assim em 1826 para proclamar a Carta Constitucional.
Foi assim 1833-4, quando se expulsou D. Miguel.
Foi assim em 1836, quando se fez a revolução de Setembro.
Foi assim em 1846, quando se deitou a terra o Cabralismo.
Será assim em 188... quando se puser termo à ditadura de miséria que a nossa fraqueza tolera e que vive apenas pela nossa inércia".
Oliveira Martins rematava, porém, que as "revoluções duradouras são as revoluções pacíficas" e que os processos revolucionários, em que o Porto tivera lugar predominante, pertenciam à história.
Desta tese de Oliveira Martins, nitidamente conservadora, os republicanos vão aceitar as premissas, não a conclusão. Oliveira Martins lisonjeara a cidade para a conquistar e disciplinar. Os republicanos lembram o passado para exacerbar. Onde aquele visava, apenas, a reivindicação, estes leram revolução.
Mas terá sido fundamentalmente pelas suas tradições revolucionárias, por ter sido o protagonista da "gloriosa revolução" de 1820, que o Porto, como defende João Chagas, foi escolhido pelos republicanos radicais para aqui desencadearem uma revolução aproveitando a agitação que se fez sentir após o Ultimatum
Ao contrário do que afirma João Chagas, não foi em Agosto de 1890 que se iniciaram os trabalhos preparatórios da revolução.
Com efeito, nós sabemos que, logo após o Ultimatum, reiniciaram-se no Porto as primeiras reuniões conspiratórias republicanas, tendo nelas participado Basílio Teles. E sabemos também que, desde inícios de 1890, já Santos Cardoso reunia com sargentos da guarda-fiscal, tendo em vista um levantamento militar. Ora, estes factos levantam-nos a questão de saber se no Porto de 1890 não havia já uma estrutura revolucionária republicana susceptível de desencadear uma revolução.
Não é evidente que todos os republicanos envolvidos no movimento aceitaram Alves da Veiga e Santos Cardoso como as figuras centrais do processo conspirativo, mesmo Basílio Teles, Sampaio Bruno, João Chagas e o próprio Teófilo Braga?
Como é que se pode explicar tal predomínio por parte daqueles dois elementos? Para respondermos a esta questão, temos que remontar às próprias origens do Partido Republicano no Porto, em 1876, quando Alves da Veiga, Rodrigues de Freitas, Sampaio Bruno e outros fundaram o Centro Eleitoral Democrático, o qual, no seu manifesto, exarava que os direitos consignados na nossa legislação tornavam desnecessário o recurso às revoluções.
Contudo, nem todos os republicanos portuenses pensavam desse modo, nomeadamente, Santos Cardoso e Alves da Veiga, que vão manter a partir daí uma sólida amizade e idênticos pontos de vista, preferindo a revolução à evolução.
Santos Cardoso, a partir desse ano, em íntima comunhão de pontos de vista com Alves da Veiga e com os republicanos radicais que, desde 1879, dispunham, também, de um centro, o Centro Republicano Radical, vai desenvolver uma obra de propaganda revolucionária que não mais deixará de defender.
"Levantamos aqui o grito de morte contra a realeza" – escreve Santos Cardoso em 1877. "À revolução. À revolução. Pela liberdade, pela honra, pela pátria."
"A mania das revoluções – lembra Homem Cristo num dos seus trabalhos, em 1891 –, era muito antiga em Santos Cardoso e em Alves da Veiga, colegas na chefia dos negócios dessa laia. Já uns poucos de anos antes haviam planeado uma, plano que morreu, ao nascer, pelo ridículo, como teria morrido este último (refere-se ao 31 de Janeiro), se não não fossem entre outras coisas os sargentos".
Esta referência encontra-se confirmada na correspondência de Júlio de Matos com Teófilo de Braga, onde aquele republicano do Porto, em 1882, dá conta de que um certo número de "estouvados", porventura "criminosos", andava tramando no seio do Partido Republicano do Porto, um movimento armado, uma aventura qualquer, e refere ainda reuniões conspiratórias nocturnas, efectuadas por grupos numerosos, em casa de Santos Cardoso, assim como convites a Alves da Veiga para aderir a um movimento armado, conspiração esta que não teria o acordo dos republicanos de Lisboa, uma vez que estes eram evolucionistas, com os quais, portanto, se não poderia contar.
A necessidade de uma revolução vai continuar a ser defendida em 1884-1885, no jornal a Folha Nova, fundado em 1881, e dirigido por Emídio de Oliveira, tudo levando a crer – afirma Júlio de Matos noutra carta a Teófilo de Braga –, um "progresso visível da ideia de revolução".
Por outro lado, os apelos à revolução vão continuar no jornal de Santos Cardoso, A Justiça Portuguesa ("há dez anos que venho defendendo a revolução pelas armas" escreve Santos Cardoso, em 1890), assim como se mantém a actividade conspiratória, à qual se associam outros republicanos como Felizardo de Lima, um dos intervenientes da revolta de 31 de Janeiro.
Em 1888 apareceu no Porto o jornal O Radical, onde pontificou Felizardo de Lima, e que até à sua extinção não mais deixou de pregar a revolução, exortando Alves da Veiga a chamar todos os seus amigos e correligionários á vida revolucionária e defendendo intransigentemente uma próxima Revolução, que destruísse a Monarquia. Foi, aliás, com idênticos propósitos, que os elementos que colaboravam no Radical fundaram, entretanto, o Partido Republicano Radical.
Estes dados, aos quais poderíamos aduzir outras informações extraídas da imprensa republicana do Porto, demonstram que, no Porto, mau grado a existência de uma corrente republicana evolucionista, que tinha como seu principal chefe Rodrigues de Freitas, subsistia, praticamente desde a fundação do Partido Republicano do Porto, um grupo federalista, radical, conspirador, que vê na "revolução armada" a única solução política para a implantação da República em Portugal, e que chega até 1890 minimamente estruturado e organizado, chefiado por Alves da Veiga e Santos Cardoso.
Assim, muito mais importante que a influência da tradição revolucionária do Porto, vinda de 1820, na insurreição militar de 1891, revelou-se, sem dúvida, a existência de um verdadeiro núcleo radical republicano existente na cidade, que mantinha importantes ligações e solidariedades, quer entre os civis quer entre os militares.
Quando o Ultimatum surgiu, confessa Elias Garcia, presidente do Directório do Partido Republicano, nada estava preparado em Lisboa para um movimento revolucionário.
Mas no Porto existia um punhado de republicanos românticos que se julgava pronto para desencadear a revolução. Daí a preparação e eclosão da revolta de 31 de Janeiro no Porto, sob a direcção de Alves da Veiga e de Santos Cardoso, com o conhecimento e sancionamento, pelo menos, na sua primeira fase, do Directório do Partido Republicano Português.
2. Uma revolta republicana... ou militar?
Uma revolta republicana, mas não do Partido Republicano Português.
O P.R.P., em 1890, dispondo de "uma organização rudimentar", com escassa implantação nas massas populares, encontra-se dividido, nele se afrontando duas facções; uma, encabeçada por Elias Garcia, a outra, dirigida por Homem Cristo, e que procurava afastar aquele do directório do partido. Ora, o directório, não só tivera conhecimento da revolução que se preparava no Porto, como já a aprovara.
Nos inícios de Janeiro de 1891, os garciistas perdem as eleições para o directório, originando uma cisão "de facto" dentro do partido. Elias Garcia, grão-mestre da maçonaria portuguesa, e Sousa Brandão – que viera ao Norte contactar os revoltosos, civis e militares –, são afastados da cúpula do partido, da qual passa a fazer parte Homem de Cristo. No Directório continuavam, porém, Teófilo Braga, Jacinto Nunes e Bernardino Pinheiro, todos eles conhecedores do movimento que se planeava e com o qual teoricamente concordavam. Apesar disso, o novo Directório manifesta logo de seguida uma atitude hostil para com a projectada revolução. Os moderados impõem o "republicanismo evolucionista", seguros de que não há condições para se levar a cabo uma revolução. A 25 de Janeiro de 1891, o mesmo Directório emite uma circular "que exautora os revolucionários do Porto e, a 27 do mesmo mês, insere no jornal Debates o artigo – Uma Prevenção –, que visa inutilizar os esforços de Alves da Veiga e Santos Cardoso por uma formal tentativa de desqualificação pessoal", sugerindo até Homem Cristo, autor desse artigo, que a revolução do Porto não passava de uma provocação monárquica.
Os dirigentes do Partido Republicano, não só repudiavam a revolta eminente, avisando claramente que não a secundariam, como desmobilizavam todos aqueles que porventura tencionavam aderir à mesma.
Podia ter sido outra posição a do directório, face a uma revolta vinda da "caserna", decidida pelas espingardas dos sargentos, não pelas espadas dos oficiais? Basílio Teles esclarece que os chefes republicanos se revelavam "impróprios para dirigirem um partido radical, por incapazes de assumir as responsabilidades dum empreendimento audacioso". "Revoluções burguesas fazem-se de cima para baixo.
Com revoluções de baixo para cima não podia o estado maior do partido republicano, insuficientíssimo para encaminhar a corrente quando ela transbordasse".
Não se podia impor a República pela força – defendiam os moderados. A resposta a este argumento deu-a o sargento Abílio ao depor no conselho de guerra: "Não era republicano de evolução, isto é, dos que desejam que pela propaganda seja conquistada pacificamente a maioria da nação?", perguntam-lhe. Ao que ele profeticamente respondeu; "Não senhor, estou convencido de que pela evolução nem daqui por um século teremos a república em Portugal".
Face à posição do Directório, não é de admirar que Alves da Veiga, Basílio Teles e Santos Cardoso, procurassem convencer os sargentos da "inoportunidade do movimento". Da animosidade do órgão máximo do partido republicano e da precipitação dos sargentos, resulta a impreparação do movimento, o qual, já a nível civil e militar, revela uma ineficácia e ingenuidade desconcertantes.
Alves da Veiga e Santos Cardoso, nesses escassos dias que precedem o 31 de Janeiro, convencendo-se apenas no último momento que os militares, apesar de todas as advertências, saíam, não puderam alargar a responsabilidade da conjura a novos elementos, nem sequer àqueles que já tinham sido contactados, nomeadamente, em Coimbra, Braga e Chaves.
Assistimos até à improvisação do governo provisório por Alves da Veiga, nos paços do concelho: dos sete elementos que o integram, só ele está presente; e, com excepção daquele, todos energicamente repudiarão qualquer consulta ou acordo susceptível de permitir que os seus nomes constassem daquela lista governativa.
Ninguém se quis comprometer com o que presumiram ser uma aventura, da qual o Partido Republicano já lavara as mãos.
A revolta de 31 de Janeiro foi sobretudo uma revolta militar: "só os militares a efectuaram e... na hora das responsabilidades – escreveu Basílio Teles –, só os militares apareceram a assumi-las corajosamente".
"O exército, como toda a nação, fora ferido profundamente nos seus brios com o Ultimatum".
Mas se muitos oficiais se encontravam descontentes com a "marcha dos negócios públicos, raros eram da opinião que "só na república estava a salvação da Pátria". Dos oficiais da guarnição do Porto, conhecedores das reuniões conspiratórias que precedem a revolta, são raros e de baixa patente aqueles que na mesma participam.
"A cooperação dos oficiais", e "a sua acção foi, "com pequenas excepções, tímida". Os que "francamente aderiram e resolutamente puseram a sua espada ao serviço da obra revolucionária foram... o capitão Leitão, o tenente Coelho e o alferes Malheiro".
Ora, nenhum deles conhece o dia e a hora para que o movimento foi antecipado; o tenente e o alferes vão apanhar as suas unidades quando as mesmas já se dirigem para o Campo da Restauração; o capitão Leitão apenas é avisado que o seu regimento vai sair – posto assim perante um facto consumado –, e adere ao movimento, convencido que outros oficiais de patente superior estão implicados numa conjuntura que adivinha muito mais vasta.
Os oficiais não estavam sensibilizados para uma revolução que iria destruir o regime monárquico, perturbar a ordem social estabelecida e, sem dúvida, alterar a hierarquia militar vigente.
A desconfiança que desde o início da conjuntura se gerou entre o corpo de sargentos – que reclamava melhores salários e reivindicava melhores condições de acesso à carreira de oficial, não interessados, portanto, em integrarem os seus superiores no projecto político militar revolucionário –, e o corpo de oficiais – por razões óbvias, hostil a uma República que se anunciava tão radical –, vai contribuir fortemente para o insucesso da revolta.
A República, previa Santos Cardoso, no seu jornal A Justiça Portuguesa, "há-de ser feita com a oficialidade inferior e com os soldados de mãos dadas com a aliança popular; isto já não pode ocultar-se...".
São os sargentos que no Porto amadurecem, formulam e impõem a ideia de revolução a Alves da Veiga e a Santos Cardoso e, posteriormente, ao directório republicano de Elias Garcia. São eles que forçam a antecipação do movimento, ao terem conhecimento da "transferência imposta a vários sargentos por ordem do ministério de Guerra", tornando-se assim responsáveis pelo fracasso do mesmo.
São ainda algumas dezenas de sargentos que insurgem e comandam os soldados, tomando nas suas mãos o comando militar, conduzindo-o obstinadamente para diante, "sem o concurso, e por vezes contra os esforços dos seus oficiais".
Basílio Teles, na véspera da revolta, advertiu os sargentos que, a levarem para diante a sublevação, esta não teria quaisquer probabilidades de êxito, não só porque o país "jazia de novo na mais completa tranquilidade", como o movimento, assim, revestia "o carácter d'uma tentativa isolada, exclusivamente militar, inspirada em motivos secundários e egoístas...".
Assim, só podemos admitir a afirmação de Basílio Teles de que "a ousada iniciativa" partiu dos soldados, se traduzirmos esta palavra por sargentos.
Não é por acaso que o dia 31 de Janeiro, desde 1911, é o "dia dos sargentos".
3. Qual o papel da Maçonaria na revolta?
O Vale do Porto (assim se designava o conjunto das lojas maçónicas da cidade), ao tempo da revolta de 31 de Janeiro, era constituído por quatro lojas, a Honra e Dever, instalada em 1887, a Independência, aberta em 1885, & Independência Lusitana, que apareceu em 1887, e a Liberdade 164, que levantou colunas em 1886, agrupando um total de 168 membros.
Temos, assim, quatro lojas fundadas nos seis anos que precederam a revolta, e cujos membros foram recrutados, na sua maioria, 52%, nos anos de 1889-1890.
Uma maçonaria jovem quanto à idade dos seus filiados (63% dos seus irmãos com menos de 34 anos). Uma maçonaria natural do Norte de Portugal (apenas 35% dos seus membros são naturais do Porto). Uma maçonaria, finalmente, onde se revela, sob o ponto de vista sócio-profissional, o predomínio incontestado da pequena e média burguesia, mas onde se verifica a total ausência do operariado, de membros das forças armadas e da grande burguesia financeira e comercial da cidade.
Uma vez delineado o quadro geral da Maçonaria do Vale do Porto, importa apurar a responsabilidade que lhe compete na preparação e concretização da revolta.
Será que a Maçonaria do Porto professava ideias essencialmente democráticas e pretendia fazer vingar a República através de uma insurreição?
As quatro lojas do Porto aparecem-nos, como já vimos, em anos anteriores ao Ultimatum (1890), isto é, num período em que os republicanos não levantavam sequer a hipótese da conquista do poder pelas armas, a denunciarem, assim, o carácter perfeitamente normal da sua fundação. E os nomes também não sugerem intenções revolucionárias, outrossim, princípios caros à sociedade liberal do tempo, como Honra e Dever (que substituíra a não menos conservadora designação de Pátria e Família), Liberdade, e mesmo Independência Lusitana, esta última, numa clara alusão e distanciamento do federalismo ibérico, tão caro aos republicanos. O mesmo se poderá dizer se tomarmos em consideração os nomes simbólicos adoptados pelos membros da Ordem aquando da sua iniciação. Com efeito, apenas uma dúzia de nomes sugere algum inconformismo, republicanismo ou tentação revolucionária, como Carnot, Desmoulins, Gambetta, Lafayette, Marat, Rousseau, Voltaire, e mesmo Deodoro da Fonseca e Joaquim Nabuco. De figuras republicanas portuguesas registem-se apenas Henriques Nogueira, José Falcão e Rodrigues de Freitas. A maioria esmagadora dos nomes simbólicos inspira-se nas grandes figuras da história da pátria, desde Egas Moniz aos grandes vultos dos séculos XV e XVI – infante D. Henrique, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães, Camões, Gil Vicente, etc, e aos homens do nosso liberalismo oitocentista como Alexandre Herculano, Borges Carneiro, Fernandes Tomás, Fradesso da Silveira, Passos Manuel, Rebelo da Silva, Silva Passos, Silva Porto, etc. Curiosamente, apesar da glorificação efectuada pelos republicanos da figura do marquês de Pombal, em 1882, aquando das comemorações do centenário da sua morte, apenas um mação nos surge com o nome simbólico do ministro de D. José.
Por outro lado, o ritmo de crescimento e o tipo de recrutamento das oficinas maçónicas também não nos permite concluir no sentido de qualquer preparação de um movimento revolucionário.
Como já afirmámos, mais de 50% dos irmãos do Vale do Porto existentes em 31 de Janeiro de 1891 foram iniciados, regularizados ou filiados nos dois anos que precederam a revolta. Em 1890, ano em que os republicanos principiaram a organização da revolta, entraram na Maçonaria portuense cinquenta e um elementos, dos quais trinta e cinco para as lojas Independência e Independência Lusitana.
Será que boa parte deles se encontrava ligada à insurreição? A análise da naturalidade e profissões daqueles que passaram a fazer parte da Instituição no ano do Ultimatum deixa-nos a suspeita de que a admissão de certos elementos não foi inocente. Com efeito, a admissão de três negociantes e um proprietário na loja Independência, de que era venerável Alves da Veiga, naturais e residentes em Cambres, Marco de Canavezes, Resende e Vila Pouca de Aguiar, poderá eventualmente estar ligada com as deslocações de Alves da Veiga ao Norte de Portugal, em ordem à formação de comités que tinham por missão secundar a revolta do Porto. E no mesmo ano, aparecem-nos também dois indivíduos na oficina Independência Lusitana, cuja entrada deve estar relacionada com a preparação do movimento, uma vez que eram telegrafistas.
Mas torna-se extremamente difícil efectuar uma leitura revolucionária do movimento de admissões na Maçonaria do Vale do Porto, em 1890. Na verdade, com excepção de António de Almeida, Aurélio dos Reis e Miguel Verdial, todos eles já republicanos convictos, nenhum elemento admitido nesse ano participou activamente na República das oito horas.
A metodologia utilizada no recrutamento de novos membros – apresentação de candidatos por qualquer irmão e respectiva aprovação ou rejeição em loja – e a livre intervenção dos maçãos e das lojas no mundo profano, impedia e continua a impedir qualquer tentativa de hegemonização ideológica-política da Ordem. Nas vésperas da revolta de 1891, a Maçonaria do Porto albergava no seu seio regeneradores, progressistas e republicanos, em boa verdade, traduzindo a sensibilidade política da urbe, mais monárquicos que republicanos.
Alves da Veiga é venerável da loja Independência donde saíram os irmãos mais activos da revolta. Mas as lojas Honra e Dever, Independência Lusitana e Liberdade 164 são predominantemente monárquicas. A oficina Liberdade 164 é mesmo constituída maioritariamente, por regeneradores – ou seja, os monárquicos de tendência mais conservadora – uma loja de "notáveis" onde pontifica José Diogo Arrojo, um dos principais chefes do Partido Regenerador do Porto, e da qual fazem parte Guilherme Gomes Fernandes, inspector-geral dos incêndios da cidade, Vaz de Miranda e Alfredo Guimarães, estes dois últimos, fundadores, com José Arrojo, do Jornal de Notícias, órgão diário do partido Regenerador.
A singela comparação dos nomes dos indivíduos pertencentes à Maçonaria do Porto com os nomes dos elementos implicados na revolta, absolve, de modo inequívoco, a Ordem quanto ao seu comprometimento em 1891.
Dos vinte e dois civis julgados em conselho de guerra após o fracasso da revolta, apenas dois pertenciam à Maçonaria, Aurélio dos Reis, comerciante, que foi absolvido, e Miguel Verdial, que foi condenado, um neófito na Ordem, uma vez que a sua admissão se verificou em Novembro de 1890.
Das mais de cinco dezenas de exilados que identificámos até ao momento, apenas Alves da Veiga fazia parte da Maçonaria, aliás, o único venerável das lojas do Porto comprometido na insurreição.
João Chagas, redactor do Jornal República Portuguesa, Basílio Teles, Sampaio Bruno e Júlio de Matos, todos eles republicanos com importantes responsabilidades na preparação do movimento, não faziam parte da Maçonaria.
Santos Cardoso, proprietário, editor e redactor do jornal A Justiça Portuguesa, que atiçou durante longos meses a violência contra a Monarquia e constituiu o elemento preponderante da aliciação dos militares que participaram na revolta, não era mação.
Com excepção de Alves da Veiga, nenhum dos sete membros anunciados para integrarem o Governo Provisório pertencia à Maçonaria, o mesmo acontecendo com todos os soldados, sargentos e oficiais revoltosos, e com os numerosos advogados que defenderam os presos em conselho de guerra.
Fazendo parte da Maçonaria do Porto, apenas detectamos seis maçãos envolvidos na insurreição, Alves da Veiga, que se expatriou, Aurélio dos Reis, o pioneiro do cinema em Portugal, da loja Honra e Dever, julgado em conselho de guerra e absolvido, Miguel Verdial, da loja Independência, julgado em conselho de guerra e condenado, Adriano Pimenta, da Honra e Dever, António Pinto de Almeida e Francisco Sousa Paula, ambos da Independência, que não chegaram porém a ser presos.
De lojas maçónicas situadas fora do Porto, apenas temos conhecimento da participação do republicano Heliodoro Salgado nos acontecimentos de 31 de Janeiro de 1891, um recém-chegado à Ordem, uma vez que tinha sido admitido em 1890, na loja Obreiros do Trabalho, ao Vale de Lisboa.
Quer isto dizer que a Maçonaria de Lisboa ignorava o movimento do Porto?
É claro que os maçãos republicanos de Lisboa não só tinham conhecimento da revolta como se esforçavam por a secundar na capital. Elias Garcia, principal figura do Partido Republicano Português e grão-mestre da Maçonaria, estava perfeitamente ao corrente do andamento da insurreição nortenha, sem todavia comprometer naquela, quer o Partido Republicano, quer a Ordem.
Efectivamente, as reuniões conspiratórias que se desenrolavam em Lisboa, e nas quais participaram, além de Elias Garcia, outros republicanos e maçãos como Constâncio de Oliveira, Feio Terenas, Gomes da Silva, Higino de Sousa, Tomás Cabreira, etc, tiveram sempre lugar na casa de António Carlos de Magalhães.
Elias Garcia, contudo, em inícios de 1891, quando se encontrava já substituído interinamente das funções de grão-mestre da Maçonaria, foi obrigado a abandonar o directório do Partido Republicano vendo assim a sua influência política drasticamente reduzida. Apesar disso, Alves da Veiga continuou a manter estreitas ligações com o velho general, dando-lhe conta da evolução dos acontecimentos. Dois dias antes da insurreição, Elias Garcia, que se encontrava já bastante debilitado pela doença que alguns meses mais tarde o vitimou, recebeu uma carta de Alves da Veiga, de que foi portador um irmão da loja Independência, na qual o advogado do Porto lhe comunicava que o dia da revolta, contra sua vontade, tinha sido antecipado, pedindo-lhe, por tal motivo, a sua imediata intervenção a fim de Lisboa secundar o movimento, bastando para tal – garantia Alves da Veiga – o levantamento de um ou dois regimentos da capital.
Elias Garcia e outros maçãos republicanos que com ele se encontravam, limitaram-se a enviar ao Porto um sargento que levava instruções para impedir a insurreição, mas que foi encontrar já as tropas na rua!...
A tal diligência parece ter-se reduzido a intervenção de Lisboa, quer ao nível da Maçonaria, quer ao nível do Partido Republicano, a demonstrar a ausência de um verdadeiro plano a nível nacional, e a precipitação dos revoltosos do Porto.
Se a intervenção da Maçonaria não foi determinante no desenrolar da insurreição, a posição do Grande Oriente Lusitano no rescaldo dos acontecimentos não se fez esperar, quer através do grão-mestre interino, quer através do Supremo Conselho, condenando firme e peremptoriamente, logo nos inícios de Fevereiro, o movimento do Porto como contrário aos princípios da Instituição, "hoje não revolucionária", mandando suspender Alves da Veiga e todos os irmãos acusados ou que fossem indiciados como estando implicados na revolta, e repudiando qualquer conivência naquele "desgraçado facto".
A Ordem, afinal, à semelhança do Partido Republicano, não fez mais que demarcar se da aventura revolucionária do Porto, que sabia praticamente votada ao fracasso, a fim de preservar a sua integridade e continuidade.
Alves da Veiga, enquanto membro de ambas as instituições, actuou efectivamente à revelia dos poderes constituídos, provocando, quer na Maçonaria, quer no Partido Republicano, uma efectiva e temporária cisão entre o Porto e Lisboa, cisão esta que, no que diz respeito à Maçonaria, tivera já antecedentes no século XIX.
Uma dissidência mesmo entre a família maçónica do Vale do Porto, uma vez que só um escasso número dos seus irmãos participou na revolta.
As reuniões efectuadas nas instalações do grémio Independência devem entender-se à luz da referida cisão e á impunidade de que Alves da Veiga disfrutava pelas suas funções de venerável, ciente de que os seus irmãos, muitos deles monárquicos, apesar de não corroborarem as suas ideias, não denunciariam as suas acções, ilegais, sem dúvida, à luz da Constituição e regulamentos da Ordem.
A intervenção da Maçonaria do Porto nos acontecimentos de 31 de Janeiro de 1891, salvo naturalmente, as pessoas já indicadas, reduziu-se, fundamentalmente, à cumplicidade do silêncio.
Uma vez restabelecida a paz na capital do Norte, as oficinas do Porto e da Instituição em geral, continuaram a efectuar os seus trabalhos, normalmente e em inteira liberdade, não tendo havido qualquer censura ou advertência do governo à Ordem.
Os testemunhos de Basílio Teles, António Claro e Sampaio Bruno, devem assim ser entendidos como testemunhos escritos numa época em que a Monarquia se encontrava ainda vigente, testemunhos esses de pessoas, recorde-se, que não pertenceram à Maçonaria.
O Grande Oriente Lusitano não apadrinhou e, muito menos, incentivou o movimento de 31 de Janeiro de 1891, o que ajuda a explicar, se não o fracasso, pelo menos o isolamento dos revoltosos e a efémera duração daquele fenómeno revolucionário.
Poderia ter sido de outro modo?
Acaso a Ordem, ao longo da sua multissecular existência em Portugal, alguma vez fundamentou o recrutamento dos seus membros em motivos de natureza ideológica ou partidária, de modo a obter, entre os mesmos, uma inteira uniformidade de pontos de vista?
Não é, afinal, na multiplicidade de credos religiosos, ideológicos e políticos, assumidos livremente pelos seus irmãos, em suma, na tolerância, que a Maçonaria sempre encontrou a sua força e legitimou a sua existência?
Na revolta de 31 de Janeiro, efectivada por militares, os civis julgados ou expatriados, sofreram a cadeia e o exílio, não enquanto membros da Maçonaria, mas enquanto republicanos.
A consagração desta data pela Maçonaria do Porto, mais que pela sua intervenção em tais acontecimentos, tem a ver, sobretudo, com a posterior evolução política nacional e com a interpretação mítico-simbólica da realidade, que exigem outra explicação.
4. Que República?
Uma vez caracterizada, ainda que sumariamente, a revolta do Porto sob o ponto de vista sócio-político e definidas, em nosso entender, as razões que levaram à sua eclosão na capital do Norte, importa saber qual a natureza da república que os revoltosos de 1891 pretendiam instaurar em Portugal?
Em primeiro lugar, importa referir que, como em 1910, se tratava de institucionalizar uma República laica, anticlerical, na qual se operasse uma clara separação entre a Igreja e o Estado.
Esta mundividência laicista, de raiz maçónica, era provocada, em grande parte, pela íntima aliança existente entre o constitucionalismo monárquico e a Igreja. Os republicanos desde cedo se aperceberam de que só poderiam derrubar a Monarquia desde que conseguissem atenuar a extraordinária influência da Igreja na sociedade portuguesa.
Em segundo lugar, convém notar que em 1891 se procurava instaurar uma República de pendor socializante, uma república que não fosse tão só uma democracia liberal, mas também uma república social, influenciada, sem dúvida pelo republicanismo federal que se situava na ala esquerda do republicanismo português.
Uma República, em terceiro lugar, organicamente descentralizada que, de acordo com as lições de Alexandre Herculano e sobretudo de Henriques Nogueira, este, o fundador doutrinário do republicanismo em Portugal, deveria assentar no robustecimento da organização municipalista.
Finalmente, uma república federalista, inspirada pelos exemplos clássicos da Suiça e dos Estados Unidos da América, modelo esse a que a República brasileira de 1889 dera novo alento.
Uma República defensora da federação dos povos peninsulares, preconizada por Latino Coelho, Magalhães Lima, Teófilo Braga, Sampaio Bruno, Alves da Veiga, Santos Cardoso e outros republicanos que romanticamente entendiam que Portugal só podia ser grande e libertar-se do colonialismo informal britânico, integrando-se num estado ibérico federal, depois do prévio desmembramento da Espanha em vários Estados.
Esquecendo que o federalismo ibérico constituía apenas o sonho de uma minoria de intelectuais e políticos que ignoravam o facto de todas as federações, como os impérios, serem construções realizadas a partir de um centro dominante. Surgia assim, uma forma inédita e utópica de revolução, que não tinha na devida conta a individualidade histórica nacional, mas que nem por isso deixava de ser menos patriótica, uma vez que, em última análise, o que estava em jogo, no entender dos federalistas, era o futuro de Portugal, incapaz de garantir, sozinho, face ao imperialismo anglo-saxónico, a independência nacional e a defesa das nossas colónias.
Sob este aspecto, a República de 1891 era bem diferente da República implantada em 1910!...
5. Qual o significado e importância da revolta?
Para concluirmos, importa ainda, à distância de um século, detectar o significado que a revolta de 1891 teve para o Porto e avaliar o património que a mesma legou a Portugal. No que diz respeito à cidade, vimos já que, apesar de Oliveira Martins, Basílio Teles, Sampaio Bruno, Alves da Veiga, António Claro e Teófilo Braga pensarem que "a revolução" só poderia sair do Porto, a verdade é que a capital do Norte, como Ramalho Ortigão já observara em 1883, docilizara-se, deixara de ser "patuleia", enfim, passara a ser a "segunda capital".
Lisboa era cada vez mais Lisboa, cada vez mais renovação, destacando-se rapidamente do país, ao passo que o Porto, simbolizando a tradição, incapaz de qualquer capacidade de réplica à capital, se indiferenciava cada vez menos do Norte de Portugal.
Não era só o desfasamento demográfico que se acentuava entre a capital, macrocéfala, de uma vitalidade crescente, e o Porto, provinciano, quase rural, que estagnava.
Era também a importância que o proletariado industrial ganhava cada vez mais na área lisboeta.
Era ainda a perda da supremacia financeira da cidade do norte, que, até 1891, fora a sede de cinco dos sete bancos, com os quais o Banco de Portugal partilhava o direito de emitir moeda.
Era toda a burocratização e consolidação do aparelho de Estado, afirmando-se definitivamente, impondo a capital como o único centro de decisão político-administrativa. Era, finalmente, todo um conjunto de transformações operadas na segunda metade do século XIX, graças à rede de caminhos-de-ferro, e que vão fazer de Lisboa o centro dominante da economia nacional.
"Lisboa é Portugal". "Fora de Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento", comentava Eça de Queirós. E mais tarde, Raul Brandão, amargamente escrevia que "o paiz não existe, existe o Terreiro do Paço". "O Terreiro do Paço é a única realidade n'este paiz".
Apesar da opinião em contrário de Basílio Teles, o 31 de Janeiro encerra o ciclo revolucionário do Porto oitocentista, ou melhor, da burguesia oitocentista portuense. Diríamos até que essa revolta esgota as potencialidades revolucionárias do Porto.
Finalmente, a data de 31 de Janeiro de 1891 depressa foi incorporada no imaginário colectivo da cidade do Porto como um símbolo de liberdade.
Durante o Estado Novo, é sob a tutela desse facto histórico que os republicanos, os democratas, vão reavivar a oposição ao Estado Novo, reivindicando, novamente, a República, a República democrática, que veio de novo a ser instaurada a 25 de Abril de 1974.
No plano nacional, importa referir que a revolta do Porto, em primeiro lugar, mostrou aos republicanos o caminho para terminar com a Monarquia e instaurar a República, isto é, o 31 de Janeiro constituí o primeiro e o mais importante antecedente do 5 de Outubro, demonstrando assim que era, não pela evolução, não pelo sufrágio eleitoral, mas sim através da revolução, que o Partido Republicano podia conquistar o poder.
Em segundo lugar, a revolta do Porto sacralizou as cores da bandeira e o hino, que se vieram a transformar em símbolos nacionais. Com efeito, a bandeira partida (de verde e encarnado), a denunciar a sua origem maçónica na divisão vertical, apresenta as cores adoptadas na revolta de Janeiro de 1891, as cores da bandeira do Centro Republicano Federal do Porto, que foi hasteada na Câmara Municipal do Porto.
Após o 5 de Outubro de 1910, quando estalou a violenta polémica que dividiu tanto monárquicos como republicanos quanto às cores da bandeira nacional, acabou por prevalecer a tese das cores verde e rubra, porque tinha sido justamente sob a bandeira vermelha e verde que os revoltosos do Porto tinham combatido e morrido.
Por outro lado, a Portuguesa, marcha patriótica gerada na indignação que o Ultimatum britânico suscitou, rapidamente acarinhada em todo o País, foi o hino ao som de cujos acordes os revoltosos de 1891 avançaram, tornando-se a partir daí o hino do Partido Republicano Português. Proibida pela Monarquia, a Portuguesa, após o 5 de Outubro de 1910, irrompeu de novo pela voz popular, consagrando-se, definitivamente, em 1911, como hino nacional.
Bibliografia
Ver, por todos, Fernando de Sousa, O Porto e a revolta de 31 de Janeiro, Porto, 1977; e, do mesmo autor, A Maçonaria do Porto e a Revolta Republicana de 1891, "Estudos de História Contemporânea Portuguesa", Lisboa, 1991, pp. 391-409.
Fernando de Sousa*
A Revolta de 31 de Janeiro de 1891
* Professor Catedrático da Universidade do Porto. Trabalho efectuado no âmbito de um estudo mais vasto, sob o patrocínio da Fundação Eng.º António de Almeida, sobre o mesmo tema.
Sem comentários:
Enviar um comentário